Antes de começar o último ROUND de 2016 do novo “clássico” do futebol português, Rio Ave – Braga, parecia haver apenas uma certeza: um dos finalistas vencidos das últimas duas edições da Final da Taça de Portugal repetiria a presença Estádio Nacional, em Oeiras, a 22 de Maio.
Aparte dessa inevitabilidade, tudo poderia acontecer. Desde uma remontada espectacular do Rio Ave que revertesse a eliminatória a seu favor, ou a um adiantar no marcador dos Gverreiros do Minho nos Arcos, que praticamente sentenciava a eliminatória. Poderia também dar-se o caso de os vila-condenses empatarem a eliminatória e assistirmos a um dramático desempate, com pontapés a partir da marca dos onze metros. Ou simplesmente, o jogo acabar como começou, tal como já aconteceu em Vila do Conde no passado dia 27 de Janeiro, com a sorte a sorrir aos bracarenses que assim se apuraram para as meias-finais da Taça da Liga. Acabou por acontecer este desfecho: novo empate a zero bolas. Um jogo que começou com o Rio Ave a todo o gás e o Braga a defender com qualidade. Passado o ímpeto inicial vila-condense, o Braga paulatinamente foi assumindo o controlo do jogo, mantendo uma assinalável coesão defensiva. As oportunidades de golo da primeira parte foram todas para o Braga, quatro ao todo, repartidas por Pedro Santos e Stojilikovic, dois elementos em destaque nos últimos tempos.
Na segunda parte o Rio Ave voltou a entrar melhor, sendo que o Braga continuou a não permitir veleidades aos avançados da casa. Apoiados por um público frenético, os jogadores do Rio Ave tentaram tudo, Pedro Martins jogou todos os trunfos, incluindo Hélder Postiga, mas de nada valeu. O esforço resultante de um apertado calendário começou a fazer-se notar nos jogadores bracarenses nos minutos finais, mas o espírito de sacrifício aliados a uma grande inteligência de jogo e capacidade táctica fizeram a diferença. E quando o apito do árbitro soou ao minuto 90+5, foi uma enorme explosão no banco e numa das bancadas povoada por uma imensa legião vermelha e branca, que nem a acção de um inusitado mecenas vila-condense, que comprara quase praticamente toda a lotação do estádio, conseguiu impedir de estar novamente a celebrar uma segunda ida ao Jamor.
São já muitas as estórias em torno destes cíclicos embates entre vermelhos e verdes nos últimos três anos. Referente à primeira mão disputada na Pedreira, ficou a sensação que ambas as partes saíram contentes, embora sem alcançar a satisfação plena.
Por um lado, os bracarenses ficaram contentes por alcançarem uma vantagem na eliminatória sem sofrer golos, pois à semelhança das provas de UEFA, o maior número de golos fora tem voto de qualidade em caso de empate. Mas não tanto satisfeitos como na época passada, quando o hat-trick de Zé Luís praticamente colocou um ponto final na contenda.
Por teu turno, as gentes do Rio Ave não terão saído totalmente satisfeitas do Municipal de Braga, mal seria uma vez que saíram com uma derrota, mas apesar de tudo contentes por levaram a eliminatória para Vila Conde, tal como acontecera na época 2013/2014. Nesse ano, a equipa à data orientada por Nuno Espírito Santo saíra de Braga com um empate sem golos. E até poderia ter ganho vantagem, caso um remate que saiu dos pés de um jogador franzino, perto do final, não tivesse esbarrado no poste. O autor da proeza fora Pedro Santos, nesse ano emprestado pelo Braga ao Rio Ave. O “fininho” da Pedreira foi o jogador mais influente na presente eliminatória, porque o único golo marcado saiu dos seus pés na conversão da grande penalidade. Mas há dois anos alinhavam também nas hostes rio-avistas outros dois gverreiros da actualidade: o egípcio Hassan e o brasileiro Felipe Augusto.
O jogo de volta disputado em Vila do Conde há duas temporadas atrás também teve episódios para contar. A começar pela noite infeliz do então guarda-redes bracarense Eduardo, incapaz de parar um cruzamento de Ukra que se transformou num chapéu, ou um remate previsivelmente defensável de Rúben Ribeiro. O jogo fica também marcado pela improvisação de um time out (desconto de tempo) por parte do treinador Jorge Paixão, que ordenou ao seu guarda-redes um simulacro de lesão, enquanto reunia toda a equipa à sua volta, na tentativa de gizar uma última estratégia para evitar o desastre que se viria a revelar inevitável. Depois do jogo, a revolta dos adeptos que viajaram de Braga era evidente. O colombiano Pardo acercou-se dos adeptos para oferecer a camisola, mas ninguém quis ficar com ela. E na sala de imprensa, enquanto discursava, o telemóvel de Nuno Espírito Santo tocou e este interrompeu a conferência para atender a chamada do amigo Jorge Mendes.
Uma outra curiosidade destas três meias-finais consecutivas entre Braga e Rio Ave foi a uniformidade do alinhamento dos jogos: primeira-mão sempre em Braga e segunda em Vila do Conde. Se o jogo de há dois anos e o da passada quarta-feira foram de decisão, o mesmo não se pode dizer do encontro da época passada, pela gorda vantagem trazida pelos bracarenses na visita à beira-mar, já referida nesta crónica. Por isso, a festa bracarense já estava anunciada, o jogo serviu quase apenas para cumprir calendário. Porém, este marcou um regresso há muito ansiado ao Jamor, pois, a última presença dos arsenalistas acontecera em 1998, dezassete anos antes. Nunca o SC Braga alcançara a final da prova rainha nos mandatos de António Salvador, por isso, o apuramento foi vivido como se da conquista do título se tratasse. Ao ponto da equipa técnica liderada por Sérgio Conceição ter feito o regresso a Braga pelo próprio pé, seguindo os jogadores no autocarro sem o treinador e adjuntos.
A presença do Braga no Jamor esta temporada é especial por várias razões. Desde logo, pelo feito inédito no clube ao repetir uma presença logo no ano seguinte. Mais uma vez recordo que entre as finais de 1998 e 2015 decorreram dezassete anos. Mas para mim o aspecto mais especial tem a ver com a coincidência de datas. A primeira e única conquista da Taça de Portugal aconteceu em 1966, há exactamente cinquenta anos. Quis o destino que a data marcada para a edição deste ano, 22 de Maio, seja a mesma de final de 1966, igualmente disputada ao vigésimo segunda dia desse mesmo mês.
O percurso da equipa agora orientada por Paulo Fonseca, apesar de não tão espectacular como a de Sérgio Conceição, onde o Braga conseguira eliminar o Vitória em Guimarães e o Benfica na Luz, para além de golear o Belenenses por 7-1 (curiosamente no dia 7/1) e do já citado 3-0 ao Rio Ave, também foi uma boa carga de trabalhos. A aventura começou em Viseu, onde os bracarenses eliminaram o Académico local por 3-0, mas o resultado foi enganador. Seguiu-se uma longa deslocação a Faro, para defrontar o Farense orientado por Jorge Paixão. O jogo disputou-se num terreno que mais parecia um campo pelado, mas ainda assim o Braga conseguiu, com algum sofrimento, resolver a eliminatória no prolongamento, através de uma grande penalidade convertida por Felipe Augusto. Então, chegaram os oitavos-de-final e o grande desafio da época, pois, calhou em sorte o Sporting, numa reedição da final de 31 de Maio de 2015. Num jogo verdadeiramente épico, talvez o melhor de toda a presente temporada, os Gverreiros do Minho superiorizaram-se a um fortíssimo conjunto leonino dirigido por Jorge Jesus, vencendo por 4-3, num jogo que teve três cambalhotas no marcador e onde o golo da vitória bracarense viria a acontecer no prolongamento. Seguiu-se depois o Arouca, novamente na Pedreira, onde a equipa de Lito Vidigal se revelara um osso duro de roer na partida disputada a contar para a Liga. O jogo dos quartos-de-final não foi diferente, mas os pupilos de Paulo Fonseca haveriam de ganhar vantagem na segunda parte, acabando por vencer por 2-0.
Depois o Rio Ave nas meias-finais, para não variar. Dois jogos intensos, onde o rigor táctico prevaleceu sobre o espectáculo. Como já escrevi, golos só houve um nos cento e oitenta minutos em que a bola rolou. Mas fica na retina o duelo entre dois dos melhores treinadores do futebol português, Paulo Fonseca e Pedro Martins, duas formações bem orquestradas, com bons executantes de um e de outro lado. O Rio Ave tinha a vantagem de ter uma equipa experiente e rotinada, que manteve a base dos últimos três anos. Do outro, um Sporting de Braga renovado, mas já bem alicerçado pelas quatro dezenas de jogos já disputados esta época nas quatro competições onde participa e onde se mantém desde o início da temporada.
Já o trajecto do outro finalista, o FC Porto que fez carreira a meias com Lopetegui e Peseiro, foi bem menos tortuoso. Para chegar ao Jamor onde não marcam presença desde a época 2010/2011, os portistas só tiveram de defrontar uma equipa do primeiro escalão, por sinal, o vizinho Boavista. De resto, só equipas de escalões secundários, onde até defrontaram os açorianos do Angrense que milita no Campeonato de Portugal, divisão semi-profissional. Os restantes adversários foram o Varzim, Feirense e Gil Vicente, todos da segunda liga.
Curiosamente, os dois finalistas vão-se defrontar já no próximo Domingo, em jogo a contar para a Liga. Os dragões de José Peseiro visitam a Pedreira alimentando ainda o sonho de chegar ao título. Na época 2012/2013, o técnico ribatejano dos azuis-e-brancos estava no banco do SC Braga e passou uma verdadeira tormenta por causa do sensacional Paços de Ferreira de Paulo Fonseca, que acabou por ditar o seu despedimento e nem a conquista da Taça da Liga foi suficiente para atenuar o descontentamento dos adeptos e do presidente.
O jogo do campeonato é mais importante para Porto do que para Braga, porque os portistas esperam capitalizar a perda de pontos de, pelo menos, um dos rivais de Lisboa, que hoje se defrontam em clássico. Quanto ao Braga, está confortável no 4.º lugar e pensa já também nos oitavos-de-final da Liga Europa, viajando para a Turquia para defrontar o Fenerbahce de Vítor Pereira e de outros jogadores nacionais, nessa prova em que é neste momento o único representante de Portugal. Atente-se também no facto do Braga ter disputado um jogo intenso a meio da semana, ao passo que o FC Porto jogou uma espécie de jogo-treino no Dragão, porque a eliminatória diante do Gil Vicente já ficara resolvida em Barcelos.
Antes de terminar, importa referir a sensacional sequência de catorze jogos sem perder do SC Braga em todas as competições. A última derrota dos arsenalistas fora em Alvalade a 10 de Janeiro, no final da primeira volta da Liga NOS.
Em Braga já só se fala na final do Jamor, mas até lá ainda muita água vai correr por debaixo da ponte. Os bracarenses ainda sonham chegar à final da Taça da Liga e chegar o mais longe possível na Liga Europa.
(Fotos: www.scbraga.pt)
Ricardo Jorge
Texto redigido de acordo com as normas do antigo Acordo Ortográfico (Decreto lei 35.228/45)